Foto de Livaldino Marinho Macedo
Foto de Livaldino Marinho Macedo, morador da comunidade de São Lourenço

No dia 21 de Julho de 2021, a equipe de pesquisadores chegou à comunidade de São Lourenço, onde moram famílias das etnias Desana, Tukano, Hupd’äh e Yuhupdëh. Ali, entrevistaram o Agente Indígena de Saúde (AIS) Abraham Bosco Marinho, tukano, e o morador Livaldino Marinho Macedo, desana.
Os entrevistados apontaram para o vazio assistencial enfrentado pela comunidade, aprofundado durante a pandemia de COVID-19, e para a necessidade de melhorias na atuação da Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI). Segundo o AIS Abraham Marinho, a equipe tem feito as visitas com pressa e não tem escutado os usuários com atenção:
"na época do Dr. Oscar. e do Dr. Norimar, eles atendiam devagar. Passavam tempo perguntando, escutando, ouvindo. Mas essas coisas foi na época da SSL, quando eles atuavam. Agora toda vez, no conselho, eu reivindico, parece que não têm ouvido e nem fazem atenção. A equipe faz corrida, atende rápido. (...) Nem dá atenção também quando se fala."
Segundo Livaldino Macedo, a EMSI esteve ausente durante boa parte da pandemia. Além disso, em muitas das visitas da EMSI, o médico e o odontólogo não estavam presentes. Segundo Abraham Marinho, que atua há mais de sete anos como AIS em São Lourenço, a equipe não buscou fazer um planejamento para o enfrentamento da COVID-19 em conjunto com ele e com a participação da comunidade. O AIS também se queixou da falta de orientação por parte da EMSI em relação à COVID-19:
"A orientação, antes, era clara. Dessa vez, não era mais clara. Em vez de falar claramente com a população: 'Vocês moradores não devem ir para o sol quente, quando tiver gripe, com febre, vocês não podem sair no sol'. Eles não orientaram mais nesse lado. Mas antes falavam que era uma doença forte, que matava em 24 horas."
Foto de Livaldino Marinho Macedo, morador da comunidade de São Lourenço
Foto de Livaldino Marinho Macedo, morador da comunidade de São Lourenço
A maior parte dos moradores de São Lourenço adoeceu com a COVID-19, mas não houve óbitos nem casos que precisassem de remoção para a cidade. As famílias enfrentaram a COVID-19 tomando remédios à base de plantas medicinais e fazendo benzimentos. Abraham Marinho contou que aprenderam sobre alguns remédios contra a COVID-19 (como, por exemplo, chá de cipó de saracura, chá de alho com mel e limão) via radiofonia. Segundo ele, a EMSI recomendou e apoiou que os moradores fizessem uso de remédios tradicionais. Além disso, atualmente, todos os moradores estão imunizados com duas doses de vacina contra a COVID-19. Nas palavras do AIS, “estamos melhorando devagar. Chegou vacina, tomamos a saracura. É assim que está melhorando e baixando as coisas, a doença”.
Livaldino Macedo relatou que, durante o período mais crítico da pandemia na comunidade, o vazio assistencial deixou os moradores bastante preocupados: "Na época, quando estava muito forte a COVID, a equipe teve ausência na área do Castanho. Antes da COVID chegar, já tinha muita malária e gripe também. E quando tivemos conhecimento dessa COVID, o pessoal falava assim: 'Está forte, está vindo, a doença forte está vindo, ela ataca de manhã e leva a óbito à tarde'. Isso assustou bastante para mim." Para o entrevistado, a COVID-19 é uma doença que veio dos brancos e chegou em São Lourenço através de funcionários da prefeitura de Pari, quando visitaram a comunidade: "a COVID chegou sim, mas sem esperar. Pensava que estava longe ainda, mas ela já estava no meio dos moradores de São Lourenço".
O AIS Abraham Marinho, por sua vez, relatou que a própria EMSI foi o vetor de transmissão do vírus para São Lourenço. Quando a equipe visitou a comunidade em março de 2020, um dos técnicos, que mora em Iauareté, estava infectado com COVID-19, mas a equipe não informou os moradores a respeito: "a equipe escondeu que já estava com ela [a COVID-19], não revelou". Abraham contou que seu tio Vicente, sabendo da COVID-19, tentou impedir que a equipe entrasse na comunidade:
"Meu tio falou para a equipe: 'São vocês que trazem essas coisas de doenças como diarreia, gripe. Depois, vocês, a própria equipe traz e deixa aqui, se espalha e vocês voltam de novo'. Mas eles não responderam para ele. Aí nós ficamos doentes após o atendimento, alguns dias depois. Aí falamos que era para não deixar entrar mais ninguém. Mas fracassamos. Não continuamos dizendo que 'você não pode entrar mais para atender'. Não fizemos esse papel."
O entrevistado comentou que com o pessoal do Rio Içana foi diferente; os Baniwa foram mais rígidos e não deixaram as equipes entrarem:
"Falaram que 'é proibido entrar na área por causa da pandemia'. Fizeram uma placa para toda a equipe não entrar no momento, naquele momento que estava chegando bastante COVID. Por isso que eles demoram de ser afetados por essa COVID. Custou para poder chegar lá nas aldeias, demorou. Aqui, na comunidade de São Lourenço, foi o contrário. As próprias pessoas da equipe multidisciplinar de saúde indígena levaram e espalharam."Em 7 comunidades da região de abrangência do Pólo-Base São José II, a equipe da pesquisa realizou um exercício de avaliação coletiva da qualidade dos serviços, usando uma ferramenta chamada ‘Cartão de Pontuação Comunitária’ a partir da atribuição de uma nota de 1 a 6, onde 1 corresponde a "péssimo" e 6 a "ótimo". Este exercício permitiu mapear os aspectos onde as comunidades perceberam uma melhora na qualidade da atenção em decorrência da resposta à pandemia, e onde consideraram que a qualidade do serviço havia piorado ou ficado igual. Também permitiu identificar onde a pontuação dada por uma comunidade espelha o resultado geral da região, e onde tem diferenças importantes entre as comunidades na avaliação que fazem dos serviços.
Entrevista São Lourenço – Áudio em língua Tukano – 21.07.2021
Entrevista São Lourenço – Áudio em língua Tukano – 21.07.2021