Avaliação da Saúde Indígena – 2021 – povos Hupd’äh e Yuhupdëh

A avaliação da Saúde Indígena feita em 2021 pelos povos Hupd’äh e Yuhupdëh pela metodologia do Cartões de Pontuação Comunitários

Pandemia e os povos Hupd’äh e Yuhupdëh

O DSEI-ARN apresentou em maio/2020 uma versão reelaborada do “Plano de Contingência para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (Covid-19)” prevendo em seu item 11, “Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato”, ações emergenciais específicas para a contenção da epidemia junto aos povos Hupd’äh e Yuhupdëh. Entretanto, a pesquisa-ação e a avaliação através do Cartão de Pontuação Comunitário (CCP) em comunidades Hupd’äh e Yuhupdëh da área de abrangência do polo-base de São José II apresentam dados sobre a inexistência de observância da especificidade desses povos durante a pandemia, indicando inclusive a piora na assistência à saúde prestada para essas populações no período atual de enfrentamento da pandemia de COVID-19. 

Em 2020, diante do fato da exposição ao contágio de Covid-19 de milhares de pessoas dos povos Hupd’äh e Yuhupdëh, bem como dos Dâw e dos Nadëb, o Fórum de Saúde Indígena do Rio Negro (FSIRN) da FOIRN recomendou a formulação, execução e monitoramento de um Plano de Contingência Surtos e Epidemias para possibilitar o enfrentamento da emergência em saúde com medidas imediatas e adequadas para reduzir a morbimortalidade associada à exposição ao contágio, e ao quadro epidemiológico grave dessas populações, como consta no Plano de Contingência do Covid-19 do DSEI-ARN. Infelizmente, nem o plano nem ações específicas foram implementadas para a prevenção e contágio da COVID-19 nas comunidades Hupd’äh e Yuhupdëh da área de abrangência do pólo-base de São José II.

Avaliação da saúde indígena na pandemia pelos povos Hupd’äh e Yuhupdëh

Participaram desta pesquisa sete comunidades onde moram famílias Hupd’äh e/ou Yuhupdëh. No rio Tiquié, participaram as comunidades de Santa Rosa do Samaúma (Yuhupdëh), Taracuá Igarapé (Hupd’äh, Yuhupdëh e Tukano) e Boca da Estrada/Nova Esperança (Hupd’äh, Tukano, Desana e Miriti-Tapuia). No rio Castanho, participaram as comunidades de Santa Rosa do Castanho (Hupd’äh, Yuhupdëh, Tukano, Desana, Yepamasã e Tukano), São Felipe (Yuhupdëh), São Joaquim (Yuhupdëh, Tuyuka e Yepamasã) e São Lourenço (Hupd’äh, Yuhupdëh, Desana e Tukano). Destas sete comunidades, quatro responderam ao Cartão de Pontuação Comunitário (CCP): Taracuá Igarapé, Santa Rosa do Castanho, São Felipe e São Joaquim. Através do CCP, avaliaram a atenção à saúde prestada pelo DSEI-ARN para os períodos “anterior à pandemia de Covid-19” e “durante a pandemia de Covid-19”, havendo a atribuição de notas de 1 a 6 pontos – , onde 1 equivale a “péssimo” e 6 a “ótimo” – , para 21 indicadores da qualidade da saúde. 

Nestas comunidades, a pontuação atribuída para os períodos “anterior à pandemia de Covid-19” e “durante a pandemia de Covid-19” foi a mesma. No entanto, em muitas das entrevistas realizadas, as lideranças, conselheiros e AIS relataram que houve um aprofundamento do vazio assistencial durante a pandemia, período em que a frequência de visitas das equipes diminuiu significativamente. Apesar das EMSI terem reduzido a frequência de entrada em área visando evitar a disseminação do Covid-19, tal medida foi vivida pelos moradores como uma negligência na atenção à saúde da comunidade – além de não ter evitado que as equipes fossem vetores de propagação do vírus. 

Os entrevistados também apontaram que a dificuldade de comunicação intercultural entre as EMSI e as comunidades obstruiu o acesso destas à informação sobre a pandemia e prejudicou o estabelecimento de estratégias de prevenção e tratamento para o Covid-19. Ao mesmo tempo, os entrevistados ressaltaram a importância de estratégias autônomas para o enfrentamento da pandemia, tais como a atuação dos benzedores e das conhecedoras de medicinas indígenas, a vigilância epidemiológica comunitária e a articulação intercomunitária para realizar sopro-encantamentos (benzimentos) e para compartilhar informações epidemiológicas e tratamentos. 

Avaliação da saúde indígena na pandemia pelos povos Hupd’äh e Yuhupdëh

Participaram desta pesquisa sete comunidades onde moram famílias Hupd’äh e/ou Yuhupdëh. No rio Tiquié, participaram as comunidades de Santa Rosa do Samaúma (Yuhupdëh), Taracuá Igarapé (Hupd’äh, Yuhupdëh e Tukano) e Boca da Estrada/Nova Esperança (Hupd’äh, Tukano, Desana e Miriti-Tapuia). No rio Castanho, participaram as comunidades de Santa Rosa do Castanho (Hupd’äh, Yuhupdëh, Tukano, Desana, Yepamasã e Tukano), São Felipe (Yuhupdëh), São Joaquim (Yuhupdëh, Tuyuka e Yepamasã) e São Lourenço (Hupd’äh, Yuhupdëh, Desana e Tukano). Destas sete comunidades, quatro responderam ao Cartão de Pontuação Comunitário (CCP): Taracuá Igarapé, Santa Rosa do Castanho, São Felipe e São Joaquim. Através do CCP, avaliaram a atenção à saúde prestada pelo DSEI-ARN para os períodos “anterior à pandemia de Covid-19” e “durante a pandemia de Covid-19”, havendo a atribuição de notas de 1 a 6 pontos – , onde 1 equivale a “péssimo” e 6 a “ótimo” – , para 21 indicadores da qualidade da saúde. 

Nestas comunidades, a pontuação atribuída para os períodos “anterior à pandemia de Covid-19” e “durante a pandemia de Covid-19” foi a mesma. No entanto, em muitas das entrevistas realizadas, as lideranças, conselheiros e AIS relataram que houve um aprofundamento do vazio assistencial durante a pandemia, período em que a frequência de visitas das equipes diminuiu significativamente. Apesar das EMSI terem reduzido a frequência de entrada em área visando evitar a disseminação do Covid-19, tal medida foi vivida pelos moradores como uma negligência na atenção à saúde da comunidade – além de não ter evitado que as equipes fossem vetores de propagação do vírus. 

Os entrevistados também apontaram que a dificuldade de comunicação intercultural entre as EMSI e as comunidades obstruiu o acesso destas à informação sobre a pandemia e prejudicou o estabelecimento de estratégias de prevenção e tratamento para o Covid-19. Ao mesmo tempo, os entrevistados ressaltaram a importância de estratégias autônomas para o enfrentamento da pandemia, tais como a atuação dos benzedores e das conhecedoras de medicinas indígenas, a vigilância epidemiológica comunitária e a articulação intercomunitária para realizar benzimentos e para compartilhar informações epidemiológicas e tratamentos. 

Povos indígenas de recente contato

Dentre as vinte e três etnias que vivem na região do rio Negro, os povos Hupd’äh e Yuhupdëh, junto aos Däw e Nadëb, são conhecidos por sua habilidade na caça, sua intensa mobilidade territorial e por serem falantes da família linguística Naduhup (também conhecida pelo nome pejorativo “Maku”). Tradicionalmente, ocupam as áreas interfluviais nas regiões do alto e médio rio Negro e a bacia do Japurá. 

Por habitarem regiões de difícil acesso no interior da mata, terem uma ampla mobilidade territorial e historicamente evitarem uma aproximação aos não indígenas, esses povos tiveram breves contatos diretos com os colonizadores até o começo do século XX. Foi a partir de então que missionários protestantes e católicos, com o apoio do Estado, intensificaram suas investidas para evangelizar estas populações, processo que fomentou mudanças nas maneiras dos povos falantes de línguas Naduhup ocuparem seus territórios, relacionarem-se com outras etnias da região e organizarem-se politicamente. 

Com isso, a atuação missionária promoveu uma vulnerabilização desses povos, tendo contribuído significativamente para a piora da situação da saúde destas populações (por exemplo, a concentração de diferentes clãs em povoados-missão relaciona-se ao aumento da incidência de epidemias, desnutrição, diarréia, malária, gripe, dentre outras doenças) e tendo amplificado a exposição destas populações à violência de comerciantes locais e à insegurança alimentar. Nas últimas décadas, os danos propagados pela atuação missionária vêm sendo agravados pelo estabelecimento de políticas públicas inadequadas às especificidades dos povos Hupd’äh, Yuhupdëh, Dâw e Nadëb. bem como pela invasão de seus territórios por grandes empreendimentos e atividades ilegais de mineração, extração de madeira, pesca esportiva e narcotráfico. No atual governo e durante a pandemia de COVID-19, a diminuição da vigilância dos territórios indígenas por parte do poder público agravou ainda mais tais ameaças e invasões territoriais. 

 Desde as décadas de 1990 e 2000, estas populações têm se aproximado cada vez mais ao poder público e à cidade de São Gabriel da Cachoeira. Neste período, uma série de políticas públicas foi implementada na região do rio Negro, ampliando o acesso dos povos indígenas altorrionegrinos à saúde, educação, benefícios sociais, iniciativas de geração de renda, etc. No entanto, tais políticas públicas frequentemente não foram devidamente adaptadas ao contexto regional e, mais especificamente, ao contexto dos povos Hupd’äh, Yuhupdëh, Dâw e Nadëb. 

Atualmente, os povos Hupd’äh e Yuhupdëh são classificados pela FUNAI como “povos de recente contato”. Esta denominação não se refere necessariamente ao tempo de “contato” com a sociedade nacional, mas se aplica aos povos ou grupos que mantém relação permanente ou intermitente com a sociedade nacional e que mantém alto grau de autonomia em relação à sociedade nacional, incorporando seus bens e serviços de forma singular e seletiva. Tendo em vista estas especificidades, enfatiza-se a necessidade de políticas públicas diferenciadas específicas a cada um dos grupos de recente contato. Nessas definições, percebe-se que não é o tempo de contato com não-indígenas o ponto central, e sim as “singularidades em sua relação com a sociedade nacional”, que envolve um “reduzido conhecimento dos códigos da sociedade envolvente”, e implica em fatores de “vulnerabilidade”. Esses fatores de vulnerabilidade se colocam de maneira mais intensa no caso dos povos Hupd’äh e Yuhupdeh, o que levou à consideração destes como “povos de recente contato”. Mas, cabe colocar que esses fatores não são exclusivos a esses povos na região. 

A promoção de ações específicas para povos de recente contato está prevista na Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), que determina o estabelecimento de normas técnicas e ações de saúde específicas a cada povo de recente contato, visando diminuir os possíveis impactos negativos das próprias ações de saúde.

Com base na PORTARIA CONJUNTA do Ministério da Saúde e FUNAI Nº 4.094, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2018, a FUNAI e a SESAI consideram os Hupd’äh e Yuhupdëh como povos de recente contato, dado o grau de autonomia em suas organizações e modo de vida, o não domínio total de códigos da sociedade envolvente, bem como a alta vulnerabilidade epidemiológica e peculiaridades socioculturais. A portaria prevê, em seu CAPÍTULO IV, artigo 7º e 8º, que ações e medidas urgentes devem ser norteadas por um Plano de Contingência para Surtos e Epidemias que preveja: atribuições e competências, fluxos de atendimento e comunicação, recursos materiais e humanos, protocolos de quarentena e vigilância sanitária, ações de imunização, procedimentos para remoção, registros de atendimento e notificação, protocolos de conduta das equipes e possíveis cenários.

Cartões de Pontuação Comunitários Hupd’äh e Yuhupdëh

Um dos principais problemas apontados pelas comunidades onde moram famílias Hupd’äh e Yuhupdëh foi o vazio assistencial, que se agravou ainda mais durante a pandemia de COVID-19. Ao indicador do Cartão de Pontuação Comunitário “qualidade de atendimento nas comunidades”, as comunidades do rio Castanho atribuíram nota 2,3 (ruim), enquanto que as comunidades do rio Tiquié atribuíram nota 3,1 (regular) e a média regional foi 2,8 (regular). A atuação dos profissionais de saúde também foi pior avaliada pelas comunidades do rio Castanho e por Taracuá Igarapé (que atribuíram nota 2,0, “ruim”) do que a média regional (nota 2,3, “ruim”) e do que as comunidades do rio Tiquié como um todo (nota 2,5, “ruim”). Houve também uma discrepância na avaliação do tempo de permanência das equipes nas comunidades, que foi avaliada como “ruim” (nota 2,7) no Rio Castanho e como “regular” (nota 3) no Rio Tiquié, sendo a avaliação regional regular (nota 2,9). 

No rio Castanho, as comunidades de Santa Rosa, São Felipe e São Joaquim apontaram para a necessidade de que a EMSI realize visitas com mais frequência à comunidade, dado que tem havido apenas uma visita por mês. No entanto, mesmo nas comunidades onde há uma cobertura boa, com duas visitas da equipe por mês, as comunidades apontam que a qualidade do atendimento fica prejudicada pois o tempo de permanência da EMSI é muito curto e, frequentemente, não há presença de médico e odontólogo nas visitas. Segundo um AIS de São Lourenço, “A equipe faz corrida, atende rápido. (…) Nem dá atenção também quando se fala.” Ademais, as comunidades relatam que a equipe traz pouca variedade de medicamentos consigo nas visitas e deixa poucos medicamentos com o AIS, o que aprofunda o vazio assistencial durante a ausência das equipes. 

Para a diminuição do vazio assistencial, as comunidades enfatizaram a necessidade das EMSI fazerem visitas com maior frequência, com menos “pressa” (passando mais tempo em cada comunidade) e com a equipe completa (com a presença de médico e odontólogo). Além disso, ressaltaram a importância das equipes fazerem as visitas providos de uma maior variedade de medicamentos e ampliarem seu apoio e articulação com o trabalho dos AIS.

Como foi apontado acima, a falta de apoio ao AIS e escassez de medicamentos também é vista como um problema grave, já que impede que os AIS façam visitas domiciliares e acompanhem o uso de medicamentos de acordo com as prescrições médicas. As comunidades apontam que um fator que prejudica o atendimento da EMSI nas comunidades é a falta de apoio e a precarização do trabalho do AIS. Além de faltarem medicamentos, faltam equipamentos e insumos (como gasolina para fazer as remoções, por exemplo) e falta uma formação continuada adequada para os AIS. Em Santa Rosa do Samaúma, a situação é ainda mais grave, pois não há AIS trabalhando ali. 

Tal situação relatada nas entrevistas se expressa nos resultados dos Cartões de Pontuação Comunitários (CPC). O indicador “apoio ao AIS”, por exemplo, foi avaliado como “ruim” (nota 2) pelas comunidades do Rio Castanho e também por Taracuá Igarapé, ao mesmo tempo que foi avaliado como “regular” (nota 2,8) pelas comunidades do Rio Tiquié. O indicador “equipamentos e insumos” também foi avaliado como “ruim” no rio Castanho e em Taracuá Igarapé (notas 2,3 e 2,0, respectivamente), enquanto foi avaliado como “regular” no rio Tiquié (nota 3,4). A mesma discrepância aparece no indicador “qualidade do transporte”, avaliado como “ruim” (nota 2,0) pelas comunidades do rio Castanho e por Taracuá Igarapé e avaliado como “regular” (nota 2,9) pelas comunidades do rio Tiquié. 

Para melhorar o apoio aos AIS, os entrevistados ressaltaram a necessidade da EMSI fornecer maior quantidade e variedade de medicamentos ao AIS e ampliar seu apoio e articulação com o trabalho do AIS. Seria necessário fornecer mais medicamentos, insumos e equipamentos, compartilhar os cronogramas de visitas, discutir os casos e realizar mais atividades de capacitação com AIS, para que estes possam realizar seu trabalho de forma mais satisfatória.

Igualmente grave é o problema do acesso à água potável e saneamento. A nota regional para esse indicador foi 1,4 (péssimo), o que revela que se trata de um problema sério para a maior parte das comunidades. Para este indicador, a avaliação das comunidades do rio Castanho (nota 1,0, péssimo) também é pior do que a avaliação das comunidades do rio Tiquié (nota 1,8, péssimo). Chama atenção que os moradores de Taracuá Igarapé atribuíram a pior nota dentre as comunidades do rio Tiquié: 1,0 (péssimo) para esse item, revelando a inexistência de ações do DSEI-ARN para a melhoria da estrutura comunitária de água e saneamento na comunidade. Maiores investimentos na melhoria do acesso destas comunidades à água potável e saneamento poderão significar melhorias significativas na saúde dos moradores.

A comunicação com as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) também foi apontada pelas comunidades onde moram famílias Hupd’äh e Yuhupdëh como uma das principais barreiras para a melhoria da atenção à saúde. Nestas comunidades, o diálogo com as equipes fica significativamente prejudicado por dificuldades de tradução linguística e intercultural. Em muitas comunidades no rio Castanho, tais dificuldades são agravadas pelo mau funcionamento da radiofonia, o que atrapalha a solicitação de resgate e a comunicação do cronograma de atendimentos da EMSI às comunidades. 

Apesar de alguns técnicos falarem a língua Tukano e traduzirem as informações repassadas pelos não indígenas, muitos dos pacientes não entendem o que é falado e, segundo um AIS de Taracuá Igarapé, “escondem as dores”, porque “não conseguem falar que eles sentem dor”. Em situações de remoção para São Gabriel ou para Manaus, a barreira de comunicação torna-se mais séria ainda, já que muitas vezes não é possível nem mesmo ter a tradução para o Tukano. A nota dada pelas comunidades do rio Castanho e por Taracuá Igarapé para a qualidade da comunicação com a EMSI foi 2,0 (ruim), abaixo da nota regional, 2,6 (ruim) e abaixo da nota dada pelas comunidades do rio Tiquié como um todo, 3,0 (regular). 

Para essas comunidades, a melhoria da comunicação requer a tradução das informações e atendimentos não apenas para o Tukano, mas também para as línguas Hupd’äh e Yuhupdëh, em todos os níveis de complexidade dos serviços de atenção à saúde. Além disso, requer que as comunidades sejam informadas sobre o cronograma de atendimentos da EMSI e que seja feito o conserto ou troca dos equipamentos de radiofonia que não estão funcionando bem. 

Articulada à comunicação intercultural, a interculturalidade em saúde também foi apontada pelas comunidades como um fator que obstrui melhorias na atenção à saúde indígena. Segundo um morador de Santa Rosa do Samaúma, há pouca preocupação com a interculturalidade e complementaridade por parte da EMSI – a equipe não reconhece o conhecimento tradicional da comunidade e “nem procura saber se têm conhecedores tradicionais na aldeia”. Apesar de ser fundamental a atuação dos bi’id d’äh (benzedores) e das conhecedoras de medicina indígena, o diálogo intercultural da EMSI e do DSEI-ARN são mínimos, o que é revelado pelas notas atribuídas pelas comunidades no Cartão de Pontuação Comunitário. 

As comunidades do rio Castanho avaliaram a integração e apoio às mulheres conhecedoras das medicinas indígenas como ruim (nota 2,0) e a integração e apoio aos benzedores como péssima (nota 1,7). Tais notas são inferiores às notas médias dadas na região, que foram, respectivamente, 2,3 (ruim) e 1,9 (ruim) e inferiores às notas dadas pelas comunidades do rio Tiquié, que foram, respectivamente, 2,5 (ruim) e 2,1 (ruim). Por isso, para a melhoria na atenção em saúde da comunidade, será fundamental que a EMSI dialogue mais com os conhecedores tradicionais, buscando escutá-los, aprender com eles e elaborar ações em conjunto, fomentando assim a complementaridade e integralidade na atenção à saúde. 

Outro indicador avaliado pelas comunidades foi a atenção à saúde da mulher. Nos últimos anos, a atenção à saúde da mulher, da criança e do idoso têm tido uma prioridade de atendimento durante as visitas da EMSI. Apesar de algumas comunidades apontarem a atenção específica à saúde da mulher e da criança como um ponto positivo da atuação das EMSI, a nota dada para a qualidade dos atendimentos para saúde da mulher nos Cartões de Pontuação foi 2,3 (ruim) nas comunidades do rio Castanho e 3,4 (regular) no rio Tiquié. A média regional para este indicador foi 2,9 (regular). 

Nas entrevistas, para melhorar a qualidade do atendimento à saúde da mulher, foi indicada a necessidade de haver espaços mais adequados para realizar o atendimento ginecológico (muitas vezes, os atendimentos são feitos no centro comunitário, sem privacidade). Além disso, foi ressaltada a importância da construção de laços de confiança da equipe com as mulheres, bem como a necessidade de tradução para as línguas hupd’äh e yuhupdëh, dado que muitas mulheres não falam o português. 

Apesar de tais avaliações e reivindicações encontrarem amplo respaldo na legislação, as comunidades enfrentam significativas dificuldades para fazer suas denúncias e reivindicações chegarem ao DSEI. Os obstáculos ao exercício do controle social em saúde, de acordo com os entrevistados, relacionam-se à falta de apoio à atuação dos conselheiros (providenciando, por exemplo, gasolina e ajuda de custo para que o conselheiro possa ir à cidade e participar das reuniões) e à falta de representatividade das comunidades no CONDISI. Muitas comunidades não têm nem mesmo um conselheiro de saúde. Nas comunidades onde há conselheiros, os entrevistados relatam que eles não são ouvidos nas reuniões, de forma que sua atuação se torna inócua. Tal situação se expressa na fala de um AIS de São Lourenço: “toda vez, no conselho, eu reivindico, mas parece que não têm ouvido e nem fazem atenção”.

Nos Cartões de Pontuação Comunitários, a nota dada para o apoio aos conselheiros foi 2,0 (ruim), considerando as comunidades do rio Castanho e Taracuá Igarapé; 2,3 (ruim), considerando as comunidades do rio Tiquié; e 2,1 (ruim), a nível regional. Também foi vista como ruim a representação no CONDISI, com notas 2,0 (ruim) nas comunidades do rio Castanho e em Taracuá Igarapé; 2,3 (ruim) no nível regional e 2,5 (ruim) nas comunidades do rio Tiquié. 

São preocupantes a ausência de apoio aos conselheiros de saúde (ou a ausência de conselheiro de saúde em algumas comunidades) e a falta de representação das comunidades no CONDISI. Para possibilitar que os moradores reivindiquem melhorias na atenção à saúde e participem da elaboração e avaliação das ações de saúde, as comunidades apontaram a necessidade de que haja conselheiros em todas as comunidades e que eles recebam apoio do DSEI para exercer suas funções. Além disso, as comunidades ressaltaram a importância de que os conselheiros hupd’äh e yuhupdëh tenham mais espaço de fala nas reuniões do CONDISI.

Mensagem: A melhoria da qualidade da atenção à saúde dos povos Hupd’äh e Yuhupdëh depende de um compromisso efetivo com a promoção da interculturalidade em saúde com uma abordagem específica que leve em conta as vulnerabilidades epidemiológicas e os contextos dessas populações. Torna-se urgente a integração de conselheiros de saúde indígenas Hupd’äh e Yuhupdëh no CONDISI, prevendo a garantia de condições para que exerçam suas atividades de monitoramento e avaliação da qualidade da saúde. Como consta no Plano de Gestão Territorial e Ambiental Hupd’äh e Yuhupdëh, a criação de um DSEI e/ou polo-base específicos para os atendimentos mostra-se como fundamental para a melhoria da qualidade da saúde. A diminuição do vazio assistencial envolve a maior constância das visitas das EMSI, o maior acesso do AIS a medicamentos, a maior permanência das EMSI nas comunidades durante as visitas e os atendimentos sendo feitos com a EMSI completa. A melhoria da comunicação em saúde depende da tradução das informações não apenas em língua Tukano, mas em língua Hup e Yuhup em todos os níveis de complexidade do sistema. As comunidades precisam ser informadas com antecedências do planejamento e cronograma de atendimentos, sendo fundamental a existência de equipamento de radiofonia em bom funcionamento em todas as aldeias desses povos. Laços de confiança precisam ser construídos entre a EMSI e as mulheres Hup e Yuhup para a melhoria da atenção à saúde da mulher, que envolve também a necessidade de tradução para as línguas Hup e Yuhup e a existência de espaços adequados para os atendimentos ginecológicos. É urgente que haja ações de promoção do acesso à água potável e ao saneamento pelo DSEI-ARN nas comunidades Hupd’äh e Yuhupdëh. Deve também ser priorizado o diálogo com benzedores e conhecedoras de medicina indígena para a promoção da intermedicalidade no atendimentos dos (as) pacientes Hupd’äh e Yuhupdëh, dado o papel central dos especialistas Hup e Yuhup em todos os itinerários terapêuticos de suas comunidades.